quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Talento precoce com a bola



Revelações do futebol paraense entram para o elenco profissional dos clubes cada vez mais cedo


Pelé foi convocado para disputar a Copa de 1958 aos 17 anos. Alexandre Pato saiu do Internacional-RS para o Milan, da Itália, um mês antes de completar 18 anos. Lionel Messi, um dos maiores jogadores da atualidade, entrou para o elenco profissional do Barcelona aos 16 anos. E não é preciso ir longe para encontrar jogadores que ingressaram cedo no mundo da bola. O zagueiro Bernardo, do Paysandu, assinou o primeiro contrato aos 17 anos. No Remo, o defensor Da Silva também estreou cedo nos gramados. Mas o caso do atacante Uerê, da Tuna, é ainda mais ilustrativo. Para não dizer alarmante. Com apenas 14 anos, ele treina e joga com os profissionais da Lusa.
Uerê, na verdade, chama-se Gilmar Wallacy de Lima Teixeira. Nasceu em Santa Izabel do Pará, em junho de 1994. Há dois anos, foi descoberto por Antenor Ambrósio, treinador da base tunante, e levado para a Vila Olímpica. Disputou o Campeonato Paraense sub-13 ano passado, marcou 34 gols e foi artilheiro da competição. Passou para o sub-15, mas não demorou a ser chamado por Reginaldo Mesquita, o atual técnico da Tuna Luso. 'O professor Reginaldo disse que era para fazer um treino, mas ainda estou aqui, pegando experiência para, quando tiver idade, disputar um Paraense', diz o atacante cruzmaltino.
No início, Uerê ficava desconfiado. Precisou vencer o medo de jogar entre os profissionais. Hoje, apesar da desvantagem física, disputa de igual para igual com os jogadores mais velhos. Com a bola nos pés, impõe respeito. 'Me acho bastante novo, mas a vida de jogador de futebol é assim', comenta. 'Tenho uma oportunidade que, lá na frente, não sei se vou ter'. É provável que Uerê dispute o Torneio do Centenário pela Tuna. No que depender do treinador Reginaldo Mesquita, Uerê é certeza na linha de frente da Tuna. 'O Uerê tem uma idade menor, mas possui um grande potencial', diz o técnico.
Por causa da idade, Uerê não pode assinar contrato de jogador profissional com a Tuna. Mesmo assim, tem vínculo com o clube. Mora na Vila Olímpica, tem as despesas pagas pela Lusa e ainda recebe uma ajuda de custo. De acordo com João Bosco, o supervisor de futebol cruzmaltino, o clube também banca os estudos e mantém contato com a família do atacante, além de dar suporte médico para o jogador. 'O Uerê está sendo preparado nos aspectos físico, técnico e psicológico', defende Bosco. 'Clube nenhum daria condições para que ele tivesse o desenvolvimento que está tendo aqui.'


Complicações legais ainda são um obstáculo
Se não há impedimentos físicos para a atuação de Uerê no elenco profissional da Tuna, podem haver complicações legais. A Constituição Brasileira é clara: É proibido qualquer trabalho para menores de 16, a não ser para os aprendizes com mais de 14 anos. Mas será que o atacante é tratado como aprendiz? Para o técnico Reginaldo Mesquita, embora treine e jogue como profissional, Uerê é um jogador em formação. 'Com essa idade, não é possível nem dizer se ele vai ser jogador de futebol ou não. Por isso, ele recebe um tratamento diferenciado', diz.
Mas, de acordo com Marcelo Freire, procurador do Ministério Público do Trabalho, as condições de Uerê na Tuna Luso são mais do que uma questão física. 'Isso envolve o desenvolvimento psicológico e o vínculo familiar desse adolescente. E se ele não acontecer para o futebol, o que vai fazer? Se olharmos para outros clubes maiores, eles têm um cuidado danado com os meninos das categorias de base', explica Freire. 'Para configurar aprendizagem, tem uma série de requisitos, como o acompanhamento da família e a redução das horas de trabalho para que ele possa estudar', detalha.
De acordo com a Lei Pelé, atletas não profissionais podem receber auxílio financeiro dos clubes em forma de bolsa aprendizagem. Mesmo assim, é papel desses clubes garantir: assistência médica, odontológica e psicológica; seguro de vida; ajuda de custo para transporte; alimentação; higiene; segurança; além de exigir satisfatório aproveitamento escolar. 'Ocorre que os clubes, infelizmente, não conferem essa estrutura para os atletas. Quando conferem, não é para todos. Em São Paulo, no Rio de Janeiro, as categorias de base até dão tudo isso, mas no futebol paraense é difícil', diz o procurador Marcelo Freire.
Para Uerê, no entanto, jogar na Tuna Luso significa poder ajudar financeiramente a própria família. 'Não passávamos fome, mas é importante poder ajudar. Meu pai é agricultor, minha mãe empregada doméstica. É um peso que tiro deles', diz o atacante. Mesmo que os clubes de futebol encham os olhos de adolescentes do interior, o procurador Marcelo Freire argumenta que essa ajuda não serve de justificativa para o tratamento que os clubes dispensam para os jogadores. 'Esse fato não afasta a responsabilidade enorme que o clube tem com esse adolescente', comenta.

fonte: Amazônia -Edição de 19/10/2008

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