Assim como no período da belle époque, em que Belém desenvolveu-se e expandiu-se através dos luxuosos prédios ecléticos e art nouveau, ganhando ares de cidade grande, o período imediatamente posterior também é marcado pelos anseios de modernização revelados pela classe burguesa, ainda enriquecida pela exportação da borracha. Influenciada pelo Movimento Moderno brasileiro, que se consolida a partir de 1922, a arquitetura de Belém também assume feições modernistas para dar forma concreta à expressão de modernidade tão desejada pelos habitantes da capital.
A produção arquitetônica modernista dos engenheiros e, posteriormente, dos arquitetos atuantes em Belém se dá, principalmente, entre as décadas de 1940 e 1970, concretizando-se nos altos edifícios da Avenida 15 de Agosto (atual Av. Presidente Vargas), nas residências afastadas do centro da cidade e nas sedes de alguns clubes paraenses. Neste contexto, foi construída a Sede Campestre da Tuna Luso Brasileira, que, hoje, é um dos exemplares sobreviventes da arquitetura moderna empregada em prédios institucionais. A situação atual do edifício sede da Tuna, porém, não oferece nenhuma segurança de que este bem imóvel possa ser salvaguardado como testemunho documental da expansão periférica de Belém e da própria arquitetura modernista, sendo imprescindível a retomada de seu valor histórico.
Modernismo em Belém
O movimento moderno, durante o período da Segunda Guerra Mundial, exerce influência na arquitetura do mundo todo. No Brasil, encontra sua representatividade entre os anos 30 e 70 do século passado, época em que o pensamento artístico mundial e o brasileiro passavam por uma transformação estética que teve como representação material, principalmente, a arquitetura. Diferente da Europa, o Brasil teve apoio governamental: a então revolução de Getúlio Vargas, em 1930, estabeleceu como classe política no poder os aliados da classe artística, que puderam, então, ter mais notoriedade. O país era propício a mudanças. A administração do governo de Getúlio Vargas tinha como objetivo modernizar o país, e, portanto, foi um grande incentivador destes novos regimes projetuais modernos.
Em Belém, entre 1940 e 1970, o movimento moderno torna-se mais notório em edificações situadas nas áreas recém urbanizadas da nova légua patrimonial, em especial na Av. Tito Franco, atual Almirante Barroso. No período mencionado, destacase a atuação do engenheiro-arquiteto Camilo Porto de Oliveira na construção de várias residências de linguagem arquitetônica moderna, situadas nas áreas periféricas de Belém e, inclusive, na Av. Tito Franco. Estas novas residências ilustram as manifestações da modernidade ensejadas pela elite. O modernismo paraense, como é possível constatar, iniciou-se de forma tardia, fato esse talvez explicado em partes pela inexistência de faculdade de Arquitetura e Urbanismo na capital. Por conta disso, o movimento é marcado pela presença dos profissionais de engenharia exercendo as atividades de arquiteto e a aplicação do vocabulário modernista não apenas em residências ilustres, mas em edifícios públicos e institucionais, como o caso das sedes sociais dos clubes do Remo e do Paysandu, relativamente contemporâneas à sede da Tuna Luso brasileira.
Laurindo Amorim e suas obras modernas Laurindo Antônio Gonçalves Amorim veio de Portugal para Belém ainda na primeira metade do século XX, provavelmente para incorporar o edifício Importadora, construído na Av. 15 de Agosto (atual Av. Presidente Vargas). Laurindo Amorim, nesta época, ainda não tinha formação de engenheiro ou arquiteto, mas é provável que já viesse atuando como empreiteiro em Portugal.
O edifício Importadora, sua primeira incorporação em Belém, inaugurada entre 1954 e 1956, foi uma das grandes novidades da arquitetura modernista na cidade. A Av. 15 de Agosto já apresentava algumas construções de linguagem arquitetônica moderna, como o edifício dos Correios, mas o Importadora foi, sem dúvida, um dos maiores marcos da modernidade e da verticalização no período, pois era o prédio mais alto e, inclusive, mais caro da época, causando impacto na fisionomia da área.
Em Belém, Amorim ingressou na Escola de Engenharia do Pará (EEP) para se graduar naquela atividade que já exercia empiricamente, apenas como construtor licenciado pelo CREA. Como nesta época a Escola de Arquitetura da Universidade Federal do Pará ainda não havia sido fundada, os engenheiros eram inteiramente responsáveis pela elaboração de projetos arquitetônicos e por sua execução. Dessa forma, já diplomado, tornou-se o engenheiro oficial da comunidade lusitana em Belém e passou a projetar e construir vários edifícios com linguagem moderna e grande porte, especialmente na Av. 15 de Agosto, onde se destacam o do clube Assembléia Paraense e o da Associação Vasco da Gama, ambos residenciais, mas com os primeiros pavimentos reservados às atividades das respectivas instituições.
Diferentemente dos demais engenheiros de sua geração, como Alcyr Meira e Camilo Porto de Oliveira, que vieram a se graduar mais tarde na Escola de Arquitetura da UFPA, Laurindo Amorim permaneceu apenas com o título de engenheiro. Entretanto, sempre revelou ousadias estruturais e intenções plásticas nas composições volumétricas de seus projetos. Com relação às estruturas, Amorim foi o primeiro em Belém a construir edifícios projetados sobre as calçadas – da mesma forma que já se fazia no Rio de Janeiro –, criando uma cobertura para sombreamento e proteção dos transeuntes, a exemplo dos edifícios Leão da América e Âncora – os primeiros com esta característica – e do já mencionado edifício da Assembléia Paraense. Quanto às intenções plásticas com as quais conferia certa aparência escultórica às composições volumétricas, é possível identificá-las especialmente em um dos edifícios que compõem a Sede Campestre da Tuna Luso Brasileira, cujo projeto também é de sua autoria.
A Tuna e sua sede campestre
O clube Tuna Luso Brasileira foi fundado em 1903, mas até a década de 30 suas instalações se resumiam à sede social e à sede náutica, edifícios não muito grandes localizados na parte mais antiga da cidade, hoje o Centro Histórico de Belém. Apenas em 1935, a vontade de profissionalizar a prática de futebol do clube levou à construção de um estádio próprio, em terreno à margem da Av. Tito Franco, situado na recém expandida e urbanizada área periférica da cidade.
Já em 1957, a partir do desenvolvimento de outras atividades esportivas no clube, viu-se a necessidade de transformar o Estádio do Souza em cidade olímpica, criando, para tanto, um complexo de edifícios e equipamentos que seria a Sede Campestre da Tuna. A reconstrução da arquibancada do estádio, que ainda era de madeira, e a construção do ginásio, do parque aquático e do edifício que sediaria as atividades administrativas e sociais do clube foram confiadas ao engenheiro português Laurindo Amorim, que era, também, sócio da Tuna Luso Brasileira.
As novas instalações foram projetadas por Amorim e calculadas pelo colega José Bassalo, resultando no arrojo estrutural dos engenheiros, algo não muito comum aos outros profissionais que atuavam, nessa época, em Belém, mesmo os que já praticavam a arquitetura moderna. A nova arquibancada foi executada em complexa estrutura em balanço e a piscina olímpica, para atender também à modalidade de saltos ornamentais, ganhou tal profundidade que, por muitos anos, foi a de maior volume d’água em todo o Brasil. Considerando o trampolim de 10 metros de altura, a profundidade máxima da piscina chegou aos 4,5 metros.
Com relação ao edifício para administração e atividades sociais do clube, destaca-se que Amorim, mesmo sem a formação de arquiteto, ousou modelar formas e volumes explorando ao máximo a plasticidade e todas as possibilidades do concreto armado.
Através desses artifícios, conseguiu caracterizar o partido arquitetônico do edifício como uma arquitetura modernista de linguagem diferente das demais construções modernas de Belém. Em entrevista com José Bassalo, o engenheiro afirma que o edifício foi uma inovação tanto na arquitetura como na engenharia praticadas na cidade, pois ele e Amorim executaram formas, estruturas e balanços ainda impossíveis dentro dos parâmetros de construção conhecidos em Belém.
Outras grandes virtudes – que serão vistas a seguir – da linguagem modernista empregada por Amorim são a rampa de acesso ao pavimento superior do edifício, que conferiu acessibilidade e mobilidade aos idosos e portadores de deficiências motoras, e a vista panorâmica de todo o clube a partir do edifício sede, já que a boate circular apresenta fechamentos em vidro e sacada circundante.
Não se sabe, precisamente, a data da inauguração desse edifício, já que todos os arquivos relativos à construção da Sede Campestre foram sendo descartados, ao longo do tempo, pelas sucessivas administrações do clube. O engenheiro Bassalo relembra que sua inauguração deve ter ocorrido entre os anos de 1960 e 1965. É possível reduzir o recorte temporal do período sabendo-se que o autor Leandro Tocantins, no livro Santa Maria de Belém do Grão Pará, publicado em 1963, já faz referência à boate da Tuna como um dos lugares mais bem freqüentados da cidade. Sabe-se, portanto, que a inauguração do edifício deve ter ocorrido entre 1960 e 1963.
A expressão da arquitetura moderna no edifício da Tuna
Entre os anos 40 e 30 do século passado a arquitetura mundial e a brasileira passavam por uma transformação estética que teve como representação física, principalmente, a arquitetura, porém se pode citar a arte que, historicamente, tem influencia sobre esta transformação do discernimento estético. Toda esta transformação começou, de acordo com CAVALCANTE (2006) com a chegada de Le Corbusier ao Brasil para uma consultoria para construir o prédio Ministério da Educação e Saúde (1936).
Este novo estilo arquitetônico deve ser entendido como o conjunto de elementos arquitetônicos que compõe uma nova composição arquitetônica, dentre esses elementos, destaca-se o “Dom-ino”, que Lucio Costa, um dos arquitetos de maior influencia modernista, descreve como uma estrutura independente, no sentido de criar planos horizontais de lajes sobre pilares, que se constituem como um esqueleto da edificação e que dá a esta estrutura a famosa noção de “planta livre” modernista.
No Clube Tuna Luso Brasileira esta estrutura é evidenciada ao se caminhar pelo pátio do pavimento térreo, que se configura como um grande espaço aberto com pilares robustos que sustentam uma laje de concreto nervurada. Esta configuração originalmente possibilitava ao observador uma visão geral do ambiente, porém atualmente como existe uma parede de alvenaria que fecha o balanço da rampa na fachada principal, esta visão de planta livre fica comprometida.
Fig. 4: Volume circular da Boate destaque para os pilates em “V”. (Fonte: Samia Hohlenwerger)
Outra característica marcante do Movimento Moderno foi a construção de edificações por formas geométricas primárias e os pilotis, um exemplo disto é o prédio do Ministério da Educação e Saúde que pioneiramente configurou-se como um prisma regular livre de ornamentos, sobre um conjunto de pilotis. Um edifício onde a estrutura é completamente aparente. Isto pode ser observado na Tuna quando se analisa as formas geometria que a compõe, uma circunferência e a adição de dois prismas retangulares, que são ligados por uma pequena circulação de forma orgânica e seu conjunto de pilares ou pilotis térreos.
Fig. 5: Planta baixa do térreo, destaque para o conjunto de pilares. (Fonte: Autores)
Na fachada principal há um elemento que marca o acesso e que se caracteriza como um
elemento tipicamente modernista, sendo empregado em projetos por vários arquitetos que compreendem a esse período. Este elemento de importância fundamental para a edificação é a rampa de acesso, que inicialmente foi concebida em balanço, porém atualmente foi incorporada uma parede que acompanha os seus limites, para que pudesse ser feito um pequeno depósito de bebidas, que serve de apoio ao bar. A rampa foi um elemento bastante difundido na arquitetura modernista e assim como na Tuna, ela representa fatores diferentes, como a acessibilidade funcional e um elemento de marcação forte e imponente que possibilita certa fluidez nesta marcação.
Fig. 6: Rampa de acesso com destaque para a parede de alvenaria que elimina o balanço.
(Fonte: Samia Hohlenwerger)
A arquitetura moderna brasileira diferente da europeia teve seus maiores esforços no campo governamental com o incentivo do governo de Getúlio Vargas que tinha o foco em modernizar o país, e, portanto, foi um grande incentivador destes novos regimes projetuais modernos. 1
Em Belém, esta tipologia institucional e mais especificamente a tipologia de clube está presente em vários pontos, como o Clube do Remo e o Clube do Paysandu, que também
representam esta tipologia e o mesmo período arquitetônico.
Fig. 7: Desenho esquemático das fachadas com destaque para os elementos tipicamente
modernistas. (Fonte: Autores)
Considerações sobre a situação do edifício
Apesar de manter características históricas de interesse à preservação, reveladas pela linguagem arquitetônica modernista, a Tuna está localizada na 2ª légua patrimonial do município e, por conseqüência, bem distante do Centro Histórico Belém, única área de proteção patrimonial determinada por legislação municipal. Além disso, por não haver nenhum tombamento ou área de entorno incidindo sobre o prédio em questão, não há nada que o obrigue a preservar suas características originais. Por esse motivo, dentre outros, o edifício em questão encontra-se deteriorado, mal utilizado e sem perspectiva de reformas que venham resgatar a fruição de seu partido arquitetônico, muito prejudicado pelas pequenas intervenções que descaracterizam os princípios modernistas empregados na construção.
Atualmente, o prédio está em pleno funcionamento e abriga várias atividades, como shows, festas e aulas de dança. O uso do espaço, que normalmente é fator determinante para a conservação de uma construção, neste caso, por ser intenso e mal destinado, está sendo prejudicial, já que desgasta de maneira muito acelerada os materiais originais, a exemplo dos pisos e forros. Somado a esse desgaste, as iniciativas de manutenção e reforma por parte da administração do clube são parcas e pontuais, deixando alguns ambientes em péssimo estado de conservação, o que requer medidas preventivas e de reparação o quanto antes.
Conclusão
Conclusão
Resultando em uma produção de conhecimento inédita sobre o edifício sede da Tuna Luso Brasileira e sobre outras obras do autor do projeto – o até então pouco conhecido engenheiro português Laurindo Amorim –, a pesquisa abriu portas para caracterizar o imóvel, definitivamente, como bem de interesse à preservação e reminiscência do Movimento Moderno, ratificando a necessidade de ações no âmbito da conservação e da restauração para garantir seu reconhecimento, por parte da sociedade, como patrimônio histórico e arquitetônico de Belém. O objetivo e o resultado alcançados são, portanto, a descoberta e apresentação de informações sobre o edifício e seu estado de conservação, além do apelo para futuras propostas de intervenção no sentido de recuperar sua materialidade e de preservar suas características originais.
* Graduanda na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará Av. Serzedêlo Corrêa, nº1035, ap. 1401, Batista Campos. Belém – PA. renatalgribel@gmail.com
a Graduanda na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará
b Graduanda na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará
c Graduanda na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará
d Graduanda na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará
NFLUÊNCIA DO AMBIENTE NA SELEÇÃO DA PEDRA CALCÁRIA DE LIOZ NA A.M.L. (ÁREA METROPOLITANA DE LISBOA)
ResponderExcluirO presente estudo, resulta da adaptação de uma tese de mestrado, apresentada junto da Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa, no âmbito do Curso de Mestrado em Tecnologia da Arquitetura e Qualidade Ambiental, realizado entre 1993 a 1994. Visa essencialmente determinar os motivos históricos, compreendidos no período da alimentação da economia Portuguesa, pelo ouro derivado da colónia do Brasil, e viabilidade funcional no uso, que levaram à preferência na adopção da pedra calcária de lioz, para fazer face às características do ambiente na A.M.L. (Área Metropolitana de Lisboa), aponta similarmente precauções a ter na sua utilização e aplicação construtiva. Tendo como base a seleção de quatro localidades para amostras, expostas ao mar, interior urbano e rural, identificando as patologias e razões do seu desenvolvimento, fornecendo também indicações para as contrariar. Finalizando com o estabelecimento de um nível de ponderação de importância a dar, nas suas propriedades físicas e químicas, no sentido de proporcionar um método de seleção deste tipo de pedra, na substituição em edifícios existentes, tirando proveito desses parâmetros para servirem ao mesmo tempo, na seleção da pedra calcária de lioz, na construção de novos edifícios. Tal como curiosidades proporcionadas pela propriedades da pedra calcária e como a obter artificialmente.
Edifícios analisados: Palácio Ratton em Lisboa, Torreão Oriental da Praça do Comércio em Lisboa, Igreja de Nossa Senhora da Consolação em Arrentela no Concelho do Seixal e Igreja da Nossa Senhora do Monte Sião em Amora no Concelho do Seixal.
Venda em: https://www.amazon.com/Influ%C3%AAncia-ambiente-sele%C3%A7%C3%A3o-calc%C3%A1ria-Portuguese/dp/154707230X
Características: Folhas a preto e branco, número de páginas 521; Dimensão: 15,24x3,05x22,86 cm