domingo, 8 de novembro de 2009

Produtividade será moeda lusa


por: LEANDRO LAGE

No próximo campeonato paraense, os jogadores da Tuna Luso trabalharão sem receber salário fixo. Ganharão por produtividade. Quem estiver na relação dos jogos, receberá parte da renda. Seja quanto for. Quem não estiver, trabalhará duro para entrar na próxima, porque a Lusa só arcará com os encargos sociais do elenco. Os 'vencimentos' sairão direto das bilheterias para o rateio entre os jogadores e a comissão técnica. Ao menos é isso o que dizem os diretores cruzmaltinos.

Esse modelo de gestão é, no mínimo, esquisito. Mas, sem ele, o clube não participaria do Estadual. Tão afundada financeiramente quanto Remo e Paysandu, a Tuna não teve dinheiro para bancar um plantel. A solução foi arrumar um de graça. Dessa forma, o clube se livra dos prejuízos com o futebol profissional, mas também não lucra. 'Aqui não tem salário. É participação na renda. Jogou, ganhou. Não jogou... Isso é melhor do que prometer salário e não pagar', explica o treinador Carlos Lucena, que entrará no rateio.

Na carteira de trabalho dos jogadores e nos contratos com o clube, constará apenas um salário fixo de R$ 500. Apesar disso, os atletas só receberão esse valor se as rendas das partidas forem significativas. Problema é que isso só deve ocorrer na fase principal do Parazão, quando o time enfrentará os campeões de público Remo e Paysandu. Até lá, o clube luso-brasileiro deve buscar nos patrocínios e nas colaborações de abnegados o dinheiro para honrar pelo menos os acertos contratuais.

Um grupo de nove pessoas, entre eles o zagueiro Sérgio, o técnico Lucena e o presidente Fabiano Bastos, será responsável pelo 'modelo administrativo' do Departamento de Futebol Profissional. Foram convocados, também, um contador e um advogado, para garantir a viabilidade do projeto.
'É arriscado para o jogador, mas é para a Tuna também. Eles podem ganhar R$ 10 mil. Se passarem para a próxima fase, tiram isso numa partida. Se não classificarem, quem corre o risco é o clube', admite o presidente Fabiano Bastos.

Matemática - Em 2008, a média de renda líquida dos jogos disputados pela Tuna Luso no Campeonato Paraense não passou de R$ 3 mil. Contra Remo e Paysandu, a média é de R$ 20 mil. Ou seja, na primeira fase do Estadual, que terá nove partidas contra times pequenos, a Tuna arrecadará no máximo R$ 27 mil. Metade disso, na verdade, pois os jogos são em casa e fora. Portanto, para os 25 jogadores que devem compor o elenco, sobrarão apenas R$ 13,5 mil. Numa previsão otimista de público para o torneio, cada jogador ganhará R$ 540.

Iniciativa afasta veteranos e atrai os mais jovens ao clube
Logo de cara, o resultado desse 'jeitinho' que a Tuna Luso deu para colocar o time profissional em atividade é a falta de jogadores tarimbados. O elenco está minado de atletas novatos, recém-saídos das divisões de base ou desprezados por Remo e Paysandu. A longo prazo, a principal consequência é que o clube pode acabar mal com a Justiça do Trabalho. Pois, se não pagar o dinheiro arrecadado nas bilheterias como salário e, assim, descontar os impostos trabalhistas, o rateio da renda se tornará ilegal.

'Isso já acontece em times menores há muito tempo', explica o advogado Bruno Castro, especialista em causas trabalhistas envolvendo clubes e atletas de futebol. 'Eles assinam a carteira com um salário mínimo e os jogadores ganham em cima do ‘bicho’. A vantagem, portanto, é jogar contra times grandes', detalha. Nesse caso, além dos 5% da renda que devem ser pagos ao INSS no borderô, o clube ainda terá que descontar o imposto sobre o que cada jogador receber, o que nem sempre ocorre.

O modelo correto de pagamento por produtividade, segundo Bruno Castro, tem regras definidas. 'Os jogadores ganham o piso salarial e, numa final, por exemplo, o clube paga um valor a mais, só que a título de prêmio e não como salário. E, sobre essa quantia, incidem os encargos', explica o advogado. Para Bruno Castro, o lado bom é que os dirigentes cruzmaltinos estão sendo verdadeiros com o elenco. 'Podemos dividir alegrias e tristezas', diz o presidente da Tuna Luso, Fabiano Bastos.

Contas - O dirigente tunante assegura: a divisão igualitária das rendas não é um plano usado somente para classificar o time à fase principal. 'Isso vai funcionar pelo menos até o fim do Parazão. Se der certo, vai mudar a história do futebol paraense. Porque, nesse time, ninguém vai ganhar mais do que o colega. E, se a Tuna arrecadar R$ 200 mil, o valor será todo dividido entre o elenco e a comissão técnica. Serão tiradas apenas as despesas e os encargos', promete Fabiano Bastos.

'Bicho' pode ser salvação do elenco
Com o rateio das arrecadações, os jogadores não correm o risco de ficar sem salários. Por outro lado, se as rendas não pagarem os custos da partida, o que é comum nos jogos entre dois times pequenos, o elenco dependerá do famoso 'bicho' para receber ao menos alguns trocados. 'É melhor do que ganhar esses R$ 500 em Santa Rosa, Izabelense e Ananindeua, sem participação na renda dos jogos. Alguns times nem pagam direito', avalia o treinador Carlos Lucena.
Para os jogadores, o rateio soa estranho, mas é a única opção de se manter em atividade e num clube de tradição. 'Joguei no sub-20 do Paysandu, mas não fui aproveitado. No início, fiquei meio de lado. Mas se o cara pensar só nisso, não vai jogar em lugar nenhum. Quando estamos começando, temo que acreditar no que aparecer', diz o volante Alan Kardec, de 21 anos, que passou na peneirada da Tuna e vai defender o time no torneio de acesso à fase principal do Parazão 2010.
Alan Kardec garante que, apesar da insegurança salarial, essa forma de acordo com o clube motiva os jogadores a buscarem a classificação a todo custo.

Até porque é somente na fase principal, jogando contra Remo e Paysandu, que terão a chance de receber salários mais altos. 'Já venho treinando no time titular, agora é só manter o ritmo. Quero primeiro começar a mostrar meu futebol para depois pensar em acordo com o clube e em salários', comenta o jogador.

Como funcionará
1. Os 25 jogadores assinarão contrato para disputar a primeira e, caso o time se classifique, a segunda fase do Campeonato Paraense 2010. No contrato dos atletas, constará um salário de apenas R$ 500.
2. O clube, porém, pagará aos atletas somente o que for arrecadado nas bilheterias. Ao final do jogo, serão descontados os impostos e o valor restante será dividido entre os jogadores e membros da comissão técnica.
3. Para receber o dinheiro, os jogadores devem ser relacionados. Quem não for escalado nem para o banco de reservas não levará nada. Isso, segundo Lucena, forçará os jogadores a buscarem sempre um lugar no time principal.
4. Dessa forma, se forem arrecadados R$ 25 mil nas bilheterias, serão descontados os encargos sociais e os custos do jogo. O que sobrar será rateado. Por lei, o clube deverá pagar, também, os impostos sobre o que cada jogador receber.

Benefícios desse tipo de administração
1. O clube não promete salários altos. Os jogadores só ganham quantias significativas se avançarem na competição e disputarem jogos decisivos com os gigantes Remo e Paysandu, recordistas de público e renda.
2. Ao menos em tese, os jogadores se dedicarão mais ao time. Pois, se deslizarem e ficarem de fora da relação, não ganharão nada. Ou melhor, até ganharão, mas só o que os abnegados do clube oferecerem.

Perigos da divisão de renda
1. Caso não cumpra todas as obrigações trabalhistas, o clube pode responder vários processos na justiça ao longo do campeonato e depois da competição. Dessa forma, acabaria tendo despesas.
2. Somente jogadores em início ou final de carreira aceitariam essas condições de trabalho. Tanto é que o elenco tunante é formado praticamente apenas por jogadores recém-saídos das categorias de base ou desprezados por Remo e Paysandu.
3. Com a baixa média de público na primeira fase do Parazão, a Tuna Luso corre o risco de enfrentar uma debandada antes da fase principal. A arrecadação seria baixa demais e, consequentemente, sobraria pouco para dividir.
4. Não ficou claro como o clube procederá com os jogadores lesionados que, portanto, não serão relacionados nas partidas. Por lei, o clube deve arcar com todos os custos de tratamento.

fonte: Amazônia Jornal - Edição 08/11/2009

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