segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Rio Negro revela joia do remo

Ailson Eráclito da Silva, um amazonense de 20 anos, maior referência da modalidade, sempre remou para sobreviver
Sílvio Barsetti

Remar num local de muito volume d'água, como no Rio Negro, em Manaus, requer mais do que uma preparação adequada. Ailson Eráclito da Silva, um amazonense de 20 anos, maior referência, hoje, do remo nacional, aprendeu a lição numa manhã ensolarada do verão de 2004. Treinava com o técnico Manasseh Barbosa, como costumava fazer três ou quatro vezes por semana, quando, de súbito, soltou os remos e tombou. Por pouco não foi levado pela correnteza. Manasseh conseguiu resgatá-lo a tempo.

Horas depois, já na casa com teto e paredes de tábuas amarradas por fios de arame, no bairro de Antônio Aleixo, a 40 quilômetros do centro de Manaus, Ailson recebia afagos da mãe, Rosângela Vieira Eráclito. Uma mulher guerreira, capaz de se levantar de madrugada para cercar cardumes de tambaquis e tucunarés ou ainda cortar cana ou cultivar mandioca.

Ela chorava o choro das mães que sofrem com a falta de perspectiva dos filhos. Mas, resoluta, chamou o treinador, a quem fez um apelo. "Por favor, nos ajude. Eu não aguento mais ver meu Ailson passar fome."Conviver com a inanição foi o maior desafio desse jovem de poucas palavras, que agora começa a ser apresentado ao Brasil como o atleta detentor do maior título do remo para o País. No final de julho, no Mundial sub-23 da República Checa, ganhou medalha de prata na prova single-skiff, peso leve. Competiu com 31 países, ficou atrás apenas do iraniano Mohsen Naghadh."É uma conquista inédita, com repercussão a médio e longo prazo para as próximas gerações do nosso remo", disse Wilson Reeberg, candidato de oposição à presidência da Confederação Brasileira de Remo, que está sob intervenção - a eleição será realizada dia 15, no Rio.

Ailson é fruto de um projeto conhecido como Remo Social, criado em 1984 em Manaus, que atende atualmente 70 crianças e adolescentes e conta com o apoio da Petrobrás. "Infelizmente, perdemos muitos garotos como o Ailson", comentou Manasseh, 52 anos, o maior incentivador do atleta, rigoroso nos treinamentos e sempre acolhedor nas horas mais difíceis.Na volta ao Brasil, Ailson passou pelo Rio. Ele e o treinador foram recebidos pelo Botafogo, clube interessado em tê-los como reforços para regatas internacionais. "O talento desse rapaz é inexplicável", afirmou um dos anfitriões, Alexandre Monteiro, técnico do Botafogo.

A infância de Ailson, às margens do Lago Antônio Aleixo, talvez facilite a tarefa de desvendar mais esse milagre do esporte brasileiro. Desde os 5 anos, muitas vezes em companhia dos irmãos Miquéias e Anne, ele assumiu o comando da canoa estreita que ficava à disposição da família nas travessias do lago - do casebre até o pequeno comércio, na outra extremidade, remava dois quilômetros. O hábito moldou o atleta.

"Ele transferiu a essência do remo caboclo para o remo olímpico. Não faz barulho, não provoca marola, não deixa a água respingar", observou Manasseh, a "única" fonte de renda do atleta. "Dou uma ajuda de custo de R$ 200 mensais ao Ailson."

No dia do embarque do Rio para Manaus, no início da semana passada, Ailson conversou com a mãe, após treinar na Lagoa Rodrigo de Freitas, e tentou confortá-la. Com um celular emprestado, avisou que levaria um pouco mais de dinheiro. "Vai dar para pagar as dívidas."Num gesto de solidariedade, ex-remadores profissionais, ligados ao Botafogo e outros clubes do Rio, doaram R$ 1 mil a Ailson e também o presentearam com equipamentos. "Antes da viagem à Europa eu devia R$ 376 ao banco", revelou o aluno mais aplicado de Manasseh.

Tricampeão brasileiro no single e vinculado à Tuna Luso, de Belém, Ailson alimenta agora um novo projeto, o mais ambicioso de todo atleta: ser medalhista olímpico. O alvo é Londres, 2012. Vai precisar de um parceiro para competir no double-skiff ou ganhar alguns quilos e passar para o single pesado - o leve não é aceito nos Jogos. Antes, pretende dar novas alegrias ao remo no Pan-Americano do México, em 2011. "Até lá, vou aprender inglês para retribuir a atenção dos colegas."

Na República Checa, muitos competidores se emocionaram com a história de Ailson. Queriam abraçá-lo, saber detalhes de sua origem humilde e os segredos que o levaram a remar inúmeras vezes pelo Rio Negro e, por fim, cruzar o Atlântico para ganhar prestígio na Europa.

fonte: http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20090809/not_imp415885,0.php

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