sexta-feira, 23 de maio de 2008

VIRA-CASACA


Elias Pinto!
M
e tragam a camisa do Liberato de Castro, do Sacramenta, do Júlio César, do Avante...
Vamos, me tragam aí a camisa do Liberato de Castro, do Júlio César, do Avante, do Sacramenta, do Sporting. Hein? Estão todos dormindo, profundamente? Não sobrou nenhum Sport Belém para remédio?
Muito bem, então me tragam o glorioso manto do mocorongo São Francisco, o que tinha Jeremias, Pão-de-ló, Bendelack, Carlitinho, Manoel Maria – ou será que já estou misturando com escalações do São Raimundo? Não, a pantera santarena não me serve. No clássico Rai-Fran sempre fui asceticamente franciscano. É dando que se recebe. Epa, melhor não me comprometer.
E como é que é, repete aí? O São Francisco também finou-se, subiu aos céus, foi convocado pelo Senhor?
E agora, nesse troca-troca (epa epa), que camisa vestirei? Pois é isso mesmo, virei casaca. Por isso, só não me tragam a camisa da Tuna. Deixem-na estendida num varal lá no Souza. Esta bandeira já não me serve, todos pisam, goleiam sem dó nem piedade.
E não espalhem que azulinei ou bicolei. Neca de pitibiriba. Isso não. Prefiro antes o Fuzuê. O quê? O Fuzuê também fu..., quer dizer, esfumou-se? E o 3 Corações? Morre-se até na pelada?
O negócio agora é a festa no interior? Pois olhem que até anteontem eu achava que esse Águia era Águia paraguaia. Daí que não comprei a peça quando me ofereceram na estrada. Onde já se viu, pensei, depois que me explicaram a origem do Águia: pois até o nosso símbolo animal foi usurpado por um time lá de Marabá. E bem que eu via esse Águia subindo, voando tabela acima, enquanto a minha Tuna despencava na lanterna dos afogados. Como é isso então? Esse Águia não é a Tuna? É uma dissidência cruzmaltina, que nem a Tradição e a Portela?
Foi quando, não do Ipiranga, mas do Tocantins ouvi o brado forte: Áááááááááguuuuuiiiiiaaaaaaaaaa! A dissidência marabaense havia conquistado o primeiro turno. Pô, mas com o braço forte da Vale empurrando, assim não vale. Atenção padarias de Belém, uni-vos.
Sinto saudades de quando éramos primeirão. Quer dizer, primeiro entre os terceiros, logo depois de Remo e Paissandu (não necessariamente nesta ordem). Como ousaram nos desbancar dessa cadeira cativa?
E quem são esses bárbaros, Águia, Castanhal, Pedreira, um tal de Vila Rica/Cametá, e até o Ananindeua, que era ali, nosso vizinho de Souza, de pedir emprestado uma xícara de açúcar, uma chuteira, um meião, já nos faz desfeita. Aliás, o futebol do interior pode até estar enricando, conquistando, triunfando, mas quanto aos nomes de seus clubes, quanto pobreza, falta de criatividade. Saudades do Bacuri.
Descadeirados do terceiro lugar, fomos caindo, caindo, que nem a Alice no País das Maravilhas quando caiu no buraco sem fim – até que se ouviu: cortem a cabeça! E lá rolou a cabeça do treinador. A continuar assim, despencando, a lanterna de Diógenes não nos servirá nem para encontrar um homem honesto quanto mais um jogador que preste.
Mas onde quer que estejamos, em que divisão, quinta ou sexta, guerreiros tunantes, escutai meu grito de guerra: sou forte, sou filho do Norte, sou bravo, meu canto de morte ouvi. (Ih, desconsiderem este último período, não tem nada a ver; ou foi a Zibia Gasparetto que incorporou em mim, digo, o Gonçalves Dias, ou é coisa de tunante que não está batendo bem da bola, o que, convenhamos, tem tudo a ver.)
E quando cortarem a cabeça do Reginaldo, me chamem para treinador. Como técnico, minha primeira providência será abandonar esse negócio de treino, táticas, jogadas ensaiadas. Isso não nos pertence mais. Mas nossos craques não ficarão de papo pro ar na concentração, jogando carteado, sinuca, totó.
Já que os jogadores andam falando grego, pelo menos no campo de futebol, onde ninguém se entende, quem sabe revelem insuspeitado talento para filosofar em alemão. Neste caso, ministrarei, na concentração, lições de doutos volumes e autores, grandes teóricos, poetas, filósofos. Pedirei ao professor Benedito Nunes que dê algumas palestras de auto-ajuda filosóficas.
Claro, dentro das quatro linhas, nada mudará. Continuaremos a ser goleados, como sempre. Mas, após o jogo, em vez de ouvir os vitoriosos, os repórteres da Rádio Clube correrão para entrevistar os derrotados. Ninguém explicará o fracasso com tanta verve, brilho e intelectualidade, recorrendo a Heidegger e Walter Benjamin. Se o Íbis se consagrou como o pior time do mundo, a Tuna brilhará como o mais erudito. Pelo menos os jogadores, estreitado o horizonte futebolístico, terão escancarada a carreira acadêmica.
Ou então só me restará, feito aqueles bêbados alquebrados que vegetam de bar em bar, recitar, ad nauseam, aquele inesquecível time da Tuna, campeão de 1970: Omar; Marinho, China, Carvalho e Acari; Antenor, Waltinho e Mesquita; Fefeu, Clésio e Gonzaga.
Meu amigo presidente Marcos Moraes: o que aconteceu? Ainda tem volta, salvação? Me diga uma só palavra de fermento, alento, e eu desviro a casaca.
Fonte: Diário do Pará Imagem

Nenhum comentário:

Postar um comentário